domingo, 28 de outubro de 2012

A IMPRENSA INTERFERINDO NA REALIDADE - Marcos Diamantino
Imagem: Caso Eloá é exemplo da espetacularização de um drama pela TV. Como principal meio de comunicação de massa, a TV tem o poder de interferir na realidade e de influenciar a opinião pública. A busca por mercado e poder, que depende do aumento dos índices de audiência, levou a uma extrapolação do papel mídia. Em “O Quarto Poder”, dirigido por Costa Gravas (“Missing”, “Z”), especialista em filmes políticos, um desempregado envolve-se em um incidente transformado pela imprensa televisiva em um caso de repercussão nacional. Em “A Montanha dos Sete Abutres”, dirigido por Billy Wilder, em 1951, o ponto de partida é o mesmo: um jornalista desacreditado busca um caso espetacular para voltar a brilhar na mídia. No primeiro filme, Dustin Hoffman faz o jornalista Max que consegue contato com o desempregado desesperado, Sam, vivido por John Travolta. Por interesse, Max controla a situação e o caso vira espetáculo de mídia, até que, por disputas internas na própria imprensa, a situação ganha outro rumo. Em “A Montanha dos Sete Abutres”, Kirk Douglas é um jornalista sem escrúpulos, Charles, que vê no caso de um homem, Leo, que ficou preso numa mina, a oportunidade de fazer uma cobertura jornalística. Enquanto Leo agoniza, a fama do jornalista aumenta. O filme de Billy Wilder chegou a ser boicotado pelos grandes jornais da época. Com o avanço da tecnologia e as facilidades das transmissões ao vivo, o jornalismo televisivo aumentou a sua capacidade de informação e também o seu poder de interferir na realidade. Não é raro repórteres serem chamados para negociação em rebeliões de presos ou com seqüestradores que mantém reféns. O caso da Escola Base, de SP, é um exemplo do equívoco da imprensa. A mídia informou que seis pessoas ligadas à Escola Base estariam envolvidas em abusos sexuais de crianças, alunas da instituição. Quando se comprovou o erro, a escola havia sido apedrejada, os donos faliram e tinham sido ameaçados de morte. Outro exemplo da determinação da mídia no desenrolar de um fato é o Caso Eloá. O sequestro em cárcere privado mais longo do País adquiriu repercussão nacional pela cobertura, ao vivo. A adolescente Eloá e a amiga Nayara, foram mantidas reféns por 100 horas pelo ex-namorado da primeira, Lindemberg. Apresentadores de TV, durante a cobertura, conversaram, por celular, com os envolvidos. Uma das vítimas, Nayara, chegou a ser libertada e voltou à cena do seqüestro, durante uma frustrada negociação. O caso terminou com a invasão policial, a morte de Eloá e ferimentos graves em Nayara, baleadas por Lindemberg que acabou preso. O poder da TV suscita até questionamentos dentro do próprio segmento. Em 1993, uma produtora britânica realizou o documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, mostrando as relações entre a mídia e o poder no Brasil. O ex-dono da Rede Globo, Roberto Marinho, figura central do documentário, é comparado a Randolph Hearst, ex-magnata americano, que inspirou o filme “Cidadão Kane”, de Orson Welles. O diretor Simon Hartog aponta o colaboracionismo da TV ao poder político no Brasil. Sugere que o controle é feito pelo oferecimento de circo eletrônico, caracterizado principalmente pelas telenovelas. Parcial, a obra não deixa de ser uma visão de primeiro mundo diante de uma realidade do terceiro-mundo. Em um trecho, cita que “8 milhões de crianças abandonadas são mortas diariamente por assassinos contratados para limpar o bairro”. Se a inspiração foi o massacre de adolescentes moradores de rua na Candelária, no RJ, não corresponde à realidade do País por pior que ela seja. Desatualizado, não compreende o período em que um metalúrgico (antes prejudicado pela Rede Globo nos debates políticos) foi eleito Presidente da República, e reeleito quatro anos depois. A exibição do documentário foi vetada por meio de ações na Justiça. Hoje, a veiculação em rede aberta, interessa mais a uma concorrente da Globo. Mas o documentário pode ser visto pelos sites de compartilhamento de vídeos da Internet, em que a veiculação de conteúdos é quase livre. E a Internet é a verdadeira ameaça ao poderio da Rede Globo no tange à rapidez e à liberdade da informação.
ZORRA TOTAL: RETRATOS DO PRECONCEITO Marcos Diamantino
O programa humorístico Zorra Total é apresentado pela Rede Globo aos sábados às 22h20. O programa reúne uma diversidade de personagens e situações que se desenrolam em um metrô que pode ser uma metáfora do País, tanto que a condutora é uma sósia da Presidenta Dilma Roussef. Nos vagões encontram-se a pedinte Adelaide e sua filha que quando a esmola não lhes agrada viram esnobes exibindo um tablet. Há o vampiro que não aceita ter um filho homossexual. Outro quadro é o das crianças e suas frases que colocam seus pais em situações constrangedoras. Há a personagem da mulher moralista que se blinda diante de supostas conquistas e depois se arrepende de espantar o interlocutor. Outro quadro é o da striper que tira uma peça de roupa a cada pergunta respondida corretamente, mas que não se mostra totalmente porque a última pergunta é sempre um engodo. A constante mudança de quadros e personagens talvez explique a longevidade desse programa exibido há mais de uma década. São mudanças relativas pois muitas situações são recorrentes nos programas de humor dessa emissora. O pai que não aceita a homossexualidade do filho, o stripe-tease não consumado, a caricatura do presidente são ideias requentadas. Em muitas situações fica evidente a reprodução de estereótipos e preconceitos. A pedinte Adelaide é feita por um ator que representa uma negra caricatural e que exagera nos traços fisionômicos e nos trajes com a finalidade de explorar o ridículo. Recentemente a personagem chegou a ser acusada de praticar racismo por uma ONG. Há também uma índia monossilábica reforçando o preconceito do mito do selvagem ligado à população indígena. As piadas de gênero também são comuns. Uma dupla de personagens que se destacou recentemente é o do travesti Valéria com a sua amiga Janete. O travesti é mal-educado e suas frases são sempre de duplo sentido com apelo sexual, criando uma imagem de gay promíscuo. Janete, uma ingênua sonhadora, torna-se carismática pela força da interpretação da atriz. A mídia entende que o programa é destinado ao público adulto, pois nos intervalos comerciais são veiculadas propagandas de cerveja, carros, bancos etc. Mas a grande popularidade dos personagens Valéria e Janete entre as crianças revelou que o programa Zorra Total, mesmo tendo conteúdo impróprio, é visto também pelo público infantil. Conclui-se que o programa Zorra Total evoluiu apenas na qualidade técnica e estética, mas é representante fiel de humorísticos do início de TV brasileira. Programas como Balança Mas Não Cai, A Praça da Alegria, Planeta dos Homens, que sempre apresentaram conteúdos que exploram o riso a partir de preconceitos ligados às diferenças sociais, raciais e comportamentais. O impacto na sociedade brasileira de um programa desse tipo é o de realimentar uma visão politicamente incorreta da realidade. Considerando que a personagem Janete, a ingênua sonhadora, fez sucesso sem apelação, uma forma de renovar esse programa é apostar mais no carisma do humorista e menos na situação que geralmente é cercada de um componente de julgamento moral. Imagem: Personagem Adelaide é caricatural e reforça preconceitos relacionados à raça negra.