sábado, 25 de outubro de 2014

O Tesouro de Marco Polo - Carl Barks

Os chilenos Ariel Dorfman e Armand Mattelart avaliaram em 1971, no livro Para Ler o Pato Donald, o conteúdo da próxima história da seguinte forma: “A situação de guerra civil se transforma num incompreensível jogo entre um e outro lado, isto é, fratricídio estúpido e sem direção ética ou razão socioeconômica. A Guerra do Vietnã resulta em mero intercâmbio de balas desajustadas e insensatas, e a trégua em uma sesta”. O ensaio panfletário, de orientação socialista, interpreta a ideologia dos quadrinhos Disney sobre um viés sectário. Em 1999, Carl Barks foi convidado a rebater as críticas e saiu-se com esta: “Eu estava furioso como todo mundo com as idiotices que as pessoas aprontavam em diferentes partes do mundo, mas o que podia fazer a respeito? Eu não tinha como contratar um exército para ir lá e dar uma lição nelas. Só podia ver TV e esperar notícias melhores. Eu achava que a pessoas eram contra o conflito no Vietnã e que precisávamos deter os comunistas ou eles tomariam conta de tudo. Então tentei fazer graça com a guerra. Em O Tesouro de Marco Polo, procurei trazer as coisas de volta ao seu estágio anterior, fazendo as pessoas pensarem nos bons tempos que antecederam todo o ódio e os combates em tempo integral. A história foi escrita numa época em que eu andava sem ideias e precisava me esforçar um bocado para desenvolver roteiros sobre assuntos que não conhecia a fundo”. É claro que o Homem dos Patos se saiu bem, embora a aventura tenha um tom diferente das demais de Tio Patinhas. Mas uma guerra não é um tema fácil de se explorar. O desenho no alto da página reproduz o esboço de Barks rejeitado pelos editores. A chuva de balas e o fuzil na mão do vietcongue justificam a recusa. Já a capa aprovada (ao lado) apela para o humor. O Tesouro de Marco Polo é uma trama polêmica mesmo nos dias de hoje. Ela sofreu uma atenuante em republicações recentes nos Estados Unidos: a passagem em que o guerrilheiro cita a má qualidade dos relógios fabricados no Paraíso dos Trabalhadores – uma óbvia alusão à extinta União Soviética – dá lugar a uma piada sobre as Indústrias Patinhas. Neste volume, a tradução respeita o texto original do quadrinista. Marcelo Alencar in “O Melhor da Disney – as Obras Completas de Carl Barks” – Volume 23 – Editora Abril (2006) Pág. 129. Barks, Cinema E Quadrinhos Marcos Diamantino Carl Barks (1901-2000) foi um desenhista e argumentista que, involuntariamente, acabou com a política da Disney de não dar crédito aos autores das HQs. Essa determinação foi mantida até mesmo nas editoras que lançavam os quadrinhos Disney pelo mundo. O teórico Álvaro de Moya, tradutor do livro Para Ler o Pato Donald, dos chilenos Dorfman e Mattelart, revela no prefácio da obra que ele mesmo foi um desenhista não creditado da Editora Abril quando desenhava as capas de Mickey e Pato Donald. “E assinando Walt Disney, impossibilitado de assinar minhas próprias histórias em quadrinhos, até desistir para sempre dos quadrinhos”. Essa estratégia da empresa fazia os leitores pensarem que tudo era feito por Walt Disney. Segundo Moya, Disney parou de desenhar em 1927: “o resto, tal como Rubens e Salvador Dali, foi trabalho de uma enorme equipe de fantasmas (ghosts)”. E coube a um leitor dos Estados Unidos descobrir que aquelas histórias de Tio Patinhas e Donald, com traços bem diferenciados e argumentos inspirados pelas grandes reportagens da revista National Geograhic, eram produzidas por Carl Barks, um norte-americano bem tradicional apaixonado por animais domésticos. Barks começou no departamento de desenhos animados Disney e depois dedicou-se aos Comics (gibis), desenhando o Pato Donald e o Tio Patinhas. Barks criou entre outros personagens a Maga Patalójika, os Irmãos Metralha e o Professor Pardal. Em 2006, a Editora Abril publicou uma coletânea (O Melhor da Disney) com a a obra completa de Carl Barks reunida em 41 edições com aproximadamente 180 páginas cada. E foi a partir do Caso Barks, que a Disney passou a dar o crédito a argumentistas e desenhistas. Com o livro Para Ler o Pato Donald, os chilenos Dorfman e Mattelart, analisam o viés colonialista do universo Disney. Uma das histórias mais visadas de Barks é a que coloca o Tio Patinhas e seus sobrinhos no meio da Guerra Civil do Vietnã. Nos EUA, a história foi publicada na revista Uncle Scrooge 64, em julho de 1966 e, no Brasil, a HQ apareceu pela primeira vez no Almanaque Tio Patinhas 15, em outubro do mesmo ano. Tio Patinhas não se preocupa em ficar sob fogo cruzado quando o seu interesse é encontrar um tesouro de pedras preciosas escondido pelo lendário Marco Polo em um elefante de jade. Fica claro que Carl Barks coloca os rebeldes como os vilões da história: Ming Mao é o líder rebelde que pretende derrubar o Príncipe Bein Bon para conquistar o Vietbang. Barks faz inclusive críticas a União Soviética, quando um guerrilheiro reclama da qualidade dos relógios produzidos pelo “Paraíso dos Trabalhadores”. Fica evidente que Barks sugere que os soviéticos apoiam os rebeldes. Os teóricos chilenos Dorfman e Mattelart, de orientação socialista, criticam a falta de explicação da revolta rebelde na HQ colocando a guerra civil como um conflito “sem motivos”. Os patos ajudam o Príncipe Bein Bon a retomar a normalidade do País e de forma de “egocentrismo mágico”(Para ler o Pato Donald, pág. 67) os próprios rebeldes se voltam contra o Tirano Ming Mao. No final da história, Tio Patinhas encontra as joias de Marco Polo e, atingido por uma incrível solidariedade (algo incomum em se tratando de Tio Patinhas) decide doar o tesouro na reconstrução de Vietbang. É preciso lembrar que na época havia um clima de guerra fria entre EUA e União Soviética e mesmo o Mestre Carl Barks não conseguir livrar-se disso. Mas uma história como essa poderia estar preparando o público americano para a entrada dos EUA na Guerra do Vietnã. Em seu artigo, o jornalista Marcelo Alencar refere-se a única censura feita à HQ na época: a editora não aceitou o esboço da capa que mostrava um tiroteio preferindo uma cena mais lúdica. Referências: ALENCAR, M. O Melhor da Disney – as Obras Completas de Carl Barks – vol. 23 – Editora Abril, 2006 ALMANAQUE TIO PATINHAS 15 – Editora Abril - 1966 DORFMAN, A., MATTELART, A. Para Ler o Pato Donald – Comunicação de Massa e Colonialismo – 3ª. Edição, Paz e Terra, 1980 Arquivo da Internet: ludy_quadrinhosdisney.blogspot.com.br

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