quarta-feira, 7 de setembro de 2011

MUSEU DOS QUADRINHOS


Mesmo com grande aceitação em todo o mundo, as histórias em quadrinhos ainda são consideradas um subproduto das artes. Embora a arte seqüencial, típica dos quadrinhos, seja uma das primeiras manifestações do homem, ao ser identificada nas pinturas rupestres da pré-história da humanidade, ainda são poucos os museus pelo mundo a destacar as HQs.
Segundo Álvaro de Moya, em seu livro Shazam! (Editora Perspectiva, 1972), a arte seqüencial já foi utilizada por grandes mestres das artes, como Goya, que desenhou a série Desastres da Guerra, entre 1810 e 1820. Numa sequência pintada a óleo, Goya mostra a captura do bandido maragato pelo monge Pedro de Zaldívia, revelando em sua obra “um antecedente da historieta sem palavras” (pg. 30).
A introdução das histórias em quadrinhos na imprensa mundial deu-se em 1893 no jornal New York World. Moya cita que o World instalou uma impressora em cores, e para testar a cor amarela, foi criado por Richard Fenton Outcault, o Yellow Kid, um menino com um camisolão amarelo. “Nesse momento histórico, nasciam duas coisas importantes: os comics como os concebemos hoje, com personagens periódicos e seriados; e o termo “jornalismo amarelo” para designar a imprensa sensacionalista, em busca do sucesso fácil com o grande público”, argumenta Moya (p.36).
No artigo “A Atualidade dos HQs no Brasil: a busca de um novo público”, Waldomiro Vergueiro, Professor Titular do Departamento de Biblioteconomia e Documentação e Coordenador do Núcleo de Pesquisas em HQs da ECA-USP, revela que, segundo Lailson de Holanda Cavalcanti (2005), “o primeiro exemplo no país (Brasil) de um desenho que representa a realidade de forma humorística e alegórica data de 1831, na publicação “O Corcundão”, do estado de Pernambuco”. Ainda segundo Vergueiro, entre 1869 e 1883, destacaram-se as séries de Ângelo Agostini: As Aventuras de Nho Quim e As Aventuras de Zé Caipora, em que surgiram os primeiros personagens fixos, uma característica das História em Quadrinhos.
É de se supor que, mesmo com a popularização universal dos quadrinhos, essa arte ainda sucumba ao estigma de ser superficial e nociva devido às suas origens ligadas aos jornais sensacionalistas. Em se tratando de Brasil, Vergueiro argumenta em seu artigo que “apesar do trabalho de divulgação e organização de eventos por muitos entusiastas do meio, como foi a 1ª. Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, realizada em 1951 na cidade de São Paulo (Moya, 2001), e a quadrinização de obras da literatura e de biografias de santos como demonstração da possibilidade de utilização dos recursos dos quadrinhos para a transmissão de mensagens de maior conteúdo cultural (Moya, D’Assunção, 2002), as HQs no Brasil não escaparam da sina de serem consideradas produto cultural de segunda classe que devia ser objeto de desconfiança por parte de pais e educadores”.
Essa desconfiança acerca das HQs surgida nos EUA nos anos 50/60, período do Macartismo, chegou ao Brasil. Aqui, como nos EUA, os editores tiveram que lançar um Código de Ética, estabelecendo critérios de conteúdos. Antes disso, as HQs no Brasil, faziam sucesso nas camadas mais populares, mas ainda lutavam para se impor entre os formadores de opinião. Nos anos 50, para atestar a importância cultural dos gibis, a Editora Brasil América Ltda., EBAL, lançou a Série Edição Maravilhosa, com quadrinizações de obras da literatura universal e nacional. Foram mais de 200 edições mensais com grandes tiragens. Mesmo assim, a editora recebeu críticas a respeito da condensação das obras e rebateu com o argumento de que a HQ despertaria no leitor o desejo de conhecer a obra original. Em “A Literatura em Quadrinhos no Brasil: acervo da Biblioteca Nacional” (Ediouro-2003), Alvaro de Moya relata a tentativa da EBAL de fortalecer o conceito de quadrinho-cultural com a série Edição Maravilhosa.
Com a popularização de novas mídias, como a televisão, os gibis perderam espaço e as tiragens diminuíram. Novos gêneros foram lançados, mas salvo algumas exceções como o gibi do Pato Donald, cuja publicação pela Editora Abril é mantida desde a década de 50, a Turma da Mônica, do brasileiro Mauricio de Souza, no mercado desde 1970 e o herói do faroeste italiano Tex, nas bancas desde 1971, o que se vê nas últimas décadas são projetos de curta duração.
A quadrinização de obras literárias conheceu um renascer esporádico a partir do ano 2000, quando segundo Vergueiro estabeleceu-se um segmento mais adulto para as HQs. Edições mais elaboradas fizeram com que as HQs deixassem as bancas de jornais para ganharem as livrarias. São propostas de quadrinização de obras de escritores brasileiros como Machado de Assis, Gilberto Freyre e Jorge Amado produzidas por editoras como a Global e a Companhia das Letras.
Ao chegar às livrarias e aos Programas de Leitura do Ministério da Educação e Cultura, que em 2006 agregou vários títulos levados às escolas, as HQs podem estar entrando numa fase que Vergueiro chama de “reversão significativa do mercado de produção e consumo das histórias em quadrinhos no Brasil”. São fatores que ajudarão as HQs a se consolidarem como “oitava arte”, título com que os entusiastas já cunharam a arte seqüencial.
Na França, recentemente fundou-se o Museu das Histórias em Quadrinhos que faz parte do projeto Cité Internacionale de La Bande Dessiné et L’image, ou Cidade Internacional da Banda Desenhada, como são chamadas as HQs na Europa. Embora não sejam poucas às críticas ao artista e desenhista belga George Prosper Reni, o Hergé, pelas suas tendências racistas e nazistas, presentes em várias obras, o criador de Tintim é tema de um museu na Bélgica. Asterix, na França, e os personagens Disney, nos EUA, também contam com espaços voltados à memória e à produção quadrinística. No Brasil, a partir dos anos 50, as HQs começaram a ser abordadas de forma teórica por autores como Álvaro de Moya e Moacy Cirne e, aos poucos, passaram a ser estudadas nas universidades brasileiras como um meio de comunicação de massa. Estudos como o do próprio Waldomiro Vergueiro em “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Conteúdo, 2009) refletem a tendência de agregar essa arte à educação, por exemplo. Começaram a ser criadas gibitecas em bibliotecas, museus e universidades. E o advento da Internet com sites e blogs divulgando as histórias em quadrinhos são exemplos do surgimento de um conceito muito favorável à arte seqüencial. Nesse sentido, conclui-se que é possível que, a médio prazo, o Brasil possa ter um espaço definitivo, um museu, voltado à história e a atualidade das HQs. Um Museu dos Quadrinhos, que sirva de base para estudos, visto que o material mais consistente sobre essa área está espalhado na literatura segmentada, em artigos teóricos, em sites e blogs na Internet e nos próprios gibis, cujo acervo está guardado a sete chaves por alguns poucos colecionadores.

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