sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

"AS BACANTES": O TRIUNFO DO DEUS NATUREZA

“Sabedoria não é sensatez” – antiestrofe 1ª.
Marcos Diamantino



Embora “As Bacantes”, de Eurípides, encenada em 405 a. C., apresente diferenciais, em vários aspectos, em relação às peças de seu tempo, mantém as características próprias da tragédia, sendo a principal delas a submissão do homem aos desejos divinos. Também nesse caso, convém lembrar que, no período aludido, a sociedade grega estava organizada no cosmopolitismo em detrimento da vida agrária. Tempo em que a filosofia ganhava espaço na missão de explicar o sentido da vida e, por conseguinte, há o arrefecimento na crença nos antigos deuses.
Em “Bacas: a Construção do Dioniso Ateniense”, a professora Mestra em História, Giselle Moreira da Mata, cita que a peça ajuda “a observar acontecimentos e sensibilidades do homem grego, especialmente o ateniense do século V a.C”. Ou seja, por trás do acontecimento literário, é possível observar como procedia o grego em termos de cultura, política, economia e sociedade. Eurípides, em “As Bacantes” poderia estar representando um homem que era o resultado de novos conhecimentos.
O conflito existente em “As Bacantes” é simplificado por Thiago Alessander Mascagni Amparo, em sua tese de doutorado pela Unesp “O Espaço em Cena e sua Profundidade: as Bacantes”. Ao citar que “no diálogo entre Penteu e Dioniso, evidenciam-se os dois pólos da peça: o herói que reage à divindade e a vontade do deus de se manifestar”, o autor aponta a principal das antíteses presentes na obra. Dioniso é filho de Zeus com uma humana e pretende provar que não é um semideus, mas um deus. Penteu é o soberano que não consegue entender que um deus pode “escrever certo por linhas tortas” e combate o que lhe parece transgressão às tradições tebanas pelo exagero ao culto ao deus Baco, o deus do vinho, inspirador de Dioniso. O choque entre oposições irredutíveis provoca a ruína do herói e a comprovação de que na tragédia grega prevalecem os desígnios divinos.
Do ponto de vista conceitual, “As Bacantes” destaca-se por utilizar, pela primeira vez, um deus meio-humano, forjado em contradições e determinado a afirmar sua condição divina. As contradições segundo Maria de Fátima Sousa Silva, em “Bacantes de Eurípides: Símbolos de Confronto”, estão presentes em toda a peça. São várias as antíteses: “divino e humano, natural e social, racional e emocional, feminino e masculino, grego e bárbaro”. A peça inova ao colocar um deus dialogando com o coro e demais personagens, possivelmente, algo só permitido a um semideus em situação de auto-afirmação.
Essa tragédia diferencia-se por conter traços de um novo gênero literário que se avizinha: a comédia, e que pode também representar as características de uma nova sociedade grega. Maria de Fátima Sousa Silva conceitua a comédia grega como o deus “que sujeita, sob o jogo das insígnias, os cidadãos à paródia, numa subversão dos estatutos, que podem ter uma função apotropaica ou catártica”. Ao submeter Penteu, Dioniso faz com que o soberano conheça a humilhação, convencendo-o a usar trajes femininos se quiser conhecer o universo das Bacantes, sacerdotisas do deus Baco, fiéis a Dioniso. Diz Dioniso: “quero fazer dele, perante os Tebanos, motivo de troça, levá-lo pela cidade, assim, vestido de mulher, expô-lo perante aqueles que dantes lhe temiam as ameaças”. A morte de Penteu pelas mãos da própria mãe, Agave, que estava possuída pelos poderes descomunais das Bacantes, era prevista. E concluiu-se para provar não apenas a superioridade do poder divino sobre os homens, mas a condição divina de Dioniso.
Eurípides utiliza um deus telúrico em “As Bacantes”. Segundo Maria de Fátima Souza Silva, Dioniso está ligado a um conjunto de símbolos animais e vegetais. É o deus que tem “na natureza o seu reino. O viço e a fertilidade parecem ser o traço em todos os elementos que o decoram”. Ao utilizar um deus com supremacia de símbolos telúricos, Eurípides pode querer mostrar a força da natureza que, ao mesmo tempo, subjuga o homem e lhe dá elementos para a vida em liberdade. Os campos abertos entram em oposição à reclusão doméstica representada pelo palácio de Penteu. O chamado enthousiasmo provocado pela sensação de liberdade, na peça causado também pela vontade divina, provoca um frenesi nas mulheres de Tebas que buscam se libertar de suas prisões reais e interiores. Numa época em que a crença nos deuses diminuia, Eurípides, com “As Bacantes”, poderia querer transmitir, na verdade, a sua crença no deus Natureza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário