sábado, 17 de dezembro de 2011

O REFERENCIAL NOS GIBIS DE MAURÍCIO DE SOUZA

Marcos Valério Diamantino
Aluno de Oficinas Midiáticas, Artes Visuais UAB-UnB, Pólo Barretos, SP


RESUMO
Esse artigo trata de fazer uma reflexão sobre a conveniência da utilização das Histórias em Quadrinhos da Turma da Mônica, produzidas por Mauricio de Souza, na disciplina de Artes Visuais, no ensino fundamental. O texto fundamenta-se em pesquisas sobre as prováveis influências de outros autores na constituição da obra de Mauricio de Souza e na reflexão sobre pertinência do aproveitamento dessas HQs em sala de aula. A pesquisa feita através de material impresso e virtual, constante na Internet, procurou fazer uma análise crítica não apenas acerca do caráter visual, mas também de conteúdo, após o cruzamento de opiniões expressas em artigos, revistas e reportagens. Como o ensino-aprendizagem de Artes Visuais é dinâmico, e em face da proposta de trabalhar nessa disciplina com Histórias em Quadrinhos, o presente trabalho busca uma análise criteriosa desse material tendo em vista que não foi produzido especificamente para fins educativos.

PALAVRAS-CHAVE: Artes Visuais. Ensino Fundamental. Turma da Mônica.

O presente artigo busca realizar um levantamento crítico acerca da obra de Mauricio de Sousa, especificamente das Histórias em Quadrinhos da Turma da Mônica, e da conveniência de se utilizar esse material em aulas de Artes Visuais, no ensino fundamental.
Mauricio de Souza nasceu em Santa Isabel, cidade paulista, em 27 de outubro de 1935. Viveu, no entanto, parte de sua infância em Mogi das Cruzes, SP. Desde criança sentiu-se atraído pelas Artes Visuais, notadamente as Histórias em Quadrinhos. Mudou-se para a capital paulista aos 19 anos e trabalhou, durante 5 anos, como repórter policial do jornal Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo.
O primeiro personagem criado por Mauricio de Sousa foi um cãozinho azul chamado Bidu cujas aventuras passaram a ser publicadas em tiras semanais na Folha da Manhã. Bidu nasceu em 1959, período em que os quadrinhos eram consumidos em larga escala no Brasil.
Outra importante editora, O Cruzeiro, dava preferência aos personagens infantis, entre eles Luluzinha e Bolinha. Impulsionada por um movimento nacionalista no final dos anos 50, lançou a revista Pererê, de Ziraldo Alves Pinto, o primeiro gibi exclusivo de autor nacional.
Bidu nasceu nesse contexto de aproveitamento do talento nacional. No entanto, nessa época Snoopy, criado por Charles M. Schulz, era o cãozinho que mais fazia sucesso no Brasil. Snoopy, publicado até hoje na Folha de São Paulo, é um cão filósofo. Assim como Snoopy, Bidu não fala, mas ambos fazem reflexões. A cor azul de Bidu, no entanto, pode ter sido inspirada num outro cãozinho, Banzé, filho do protagonista Vagabundo, criado em 1955 para o filme da Disney “Lady and the Tramp” (“A Dama e o Vagabundo). Banzé possuía cor cinzenta-azulada parecida com a que Bidu adotaria anos depois.
Também no ano de 1959, Bidu ganhou revista própria pela Editora Continental que, segundo Álvaro de Moya (Shazam!, 1972), tomou a decisão importante de só publicar autores nacionais.
Depois de Bidu foram criados os personagens Cebolinha e Cascão. Eles se sustentam pelas suas principais características: Cebolinha tem problemas fonoaudiólogos e Cascão tem agorafobia, ou seja medo de água, e por isso não toma banho. A personagem mais famosa de Maurício, a Mônica, foi criada em 1963, inspirada na própria filha do autor, que também teria dentes salientes, brincava com um coelhinho e teria gênio difícil. No artigo “Violência da Turma da Mônica”, de Dioclécio Luz, publicado no Observatório da Imprensa, os personagens de Mauricio de Souza podem ter sido inspirados no Universo Disney. Para esse autor, “a turma da Mônica é um retrocesso. É um monte de clichês, como era comum, principalmente, nos personagens de Walt Disney – sem opinião e naturalmente conservadores”. Para Luz, a personagem Mônica não é obsessiva como o Tio Patinhas, mas sugere que os conflitos do mundo sejam resolvidos na base da violência, postura bélica própria dos EUA. Segundo Dioclécio Luz, características dos personagens de Mauricio, “o medo de água do Cascão ou a fome de Magali, são apenas bullyings”.

(Maurício de Souza Produções - Todos os direitos reservados)

Visualmente, a Mônica de Maurício, é muito parecida com a Luluzinha. E não apenas pelo tradicional vestido vermelho. Luluzinha (“Little Lulu”) foi criada pela americana Marjorie Henderson Buel, conhecida por Marge, em 1935. No Brasil, as histórias de Lulu e do Bolinha (Tubby), outra criação de Marge, passaram a ser publicadas pela Editora O Cruzeiro em meados dos anos 50 atingindo grande popularidade. Nessa época, através da Jovem Guarda, fez sucesso uma música baseada no universo de Lulu e Bolinha. Lulu e Mônica carregam semelhanças a partir do desenho estilizado. O nariz das duas personagens, um “v” invertido, embora seja mais anguloso em Lulu, é muito parecido com o da Mônica. Lulu apresenta no cabelo três cachos marcantes e dois coques sendo que o cabelo da Mônica é constituído de cinco cachos estilizados e, no lugar dos coques da personagem americana, Mônica tem três fios rebeldes. Mônica tem dentes salientes, mesma característica de Aninha, amiga de Lulu. O personagem Cascão tem apenas um tufo de cabelos no topo da cabeça. No universo de Bolinha há também um garoto chamado Carequinha que mantém um corte radical a La Cascão. Com relação à gula, essa característica aparece tanto em Magali quanto em Bolinha. A vítima de Bullying, no universo de Marge, é sem dúvida o obeso Bolinha, que sofre todo tipo de brincadeiras e insinuações devido às suas características físicas. Bullying segundo Dioclécio Luz “é uma agressão verbal e sistemática à criança quando chamada de apelidos que a incomodam”. Na Turma do Bolinha, o Bullying também aparece nos confrontos entre as gangs da Zona Norte e da Zona Sul. Andar desacompanhado é um risco muito grande para Bolinha, pois pode ser surrado sem motivo pelos rivais. O Bullying aparece em vários personagens de Maurício sendo que a própria Mônica é vítima ao ser chamada de gorducha, dentuça e baixinha. Para Luz, “na vida real, nenhum psicólogo iria sugerir o método Mônica para resolver os problemas de Bullying. (....) No entanto, ao que parece, os adultos leitores ou pais de crianças que lêm os gibis da Mônica são condescendentes com esta prática de violência”. A justificativa, de acordo com Luz, seria o fato de Mônica ser “menina” e estar se defendendo. Esse pensamento, segundo Luz, seria um erro grave, pois a violência contra a mulher não pode ser corrigida com uma reação violenta feminina.

(Marge Productions - Todos os direitos reservados)


Marge, a criadora de Lulu e Bolinha, segundo o Almanaque Luluzinha (Ediouro/Mídia Pixel, 2011), relatou que criou os seus personagens com base nas crianças que conhecia e nas lembranças de sua própria infância. A mesma alegação é feita por Mauricio de Souza ao explicar a origem de seus personagens. Numa reportagem de Paula Dume, da Folha de São Paulo, em 27 de junho de 2006, a inspiração de Mauricio para criar seus personagens teria origem nas características de filhos, sobrinhos, parentes e amigos de infância do autor. “Cascão é o retrato do menino que eu fui”, afirmou Maurício no documentário “Biography: Mauricio de Souza”. Outras referências seriam os causos contados pelo pai e pelo avô. “Vovô era um contador de lorotas maravilhoso”, lembrou Mauricio. A avó o “enfeitiçava” com suas histórias do interior. Possivelmente daí veio a inspiração para criar o personagem Chico Bento que, positivamente, representa a cultura interiorana do povo brasileiro, mas, negativamente, recebe críticas de educadores por manter um vocabulário não condizente com o uso correto da língua Portuguesa.
A partir dos anos 90, Mauricio de Souza continuou criando novos personagens. A exemplo de Mônica e Magali, inventou outros personagens inspirados em seus filhos: Marina, a artista plástica, Do Contra, o contestador e Nimbus, o nissei. Mauricio e sua equipe criaram também a deficiente visual Dorinha e o cadeirante Luca. “A primeira foi inspirada em Dorina de Gouvêa Nowill, presidente emérita e vitalícia da Fundação que leva seu nome. Já Luca tem suas influências demarcadas pelo cantor e compositor Herbert Vianna”, informa a reportagem de Paula Dume. Os dois últimos são personagens que ajudam o aluno a ter uma nova postura diante da deficiência física.
Em Mauricio de Sousa até mesmo os personagens baseados em histórias de terror (Penadinho, Zé Vampir, Muminho etc) são politicamente corretos. No entanto existe um personagem de Mauricio segregado no universo da Turma da Mônica. É o Nicodemo, um personagem construído dentro dos conceitos do humor negro. Nicodemo veste terninho na cor preta, o cabelo dele tem o formato de dois chifres e o seu brinquedo preferido é o estilingue. Talvez seja o personagem mais destoante e, por isso, a sua utilização em sala deve ser feita com ressalvas, a menos que encarne o anti-herói.
Mesmo sendo motivo de críticas, a personagem Mônica foi nomeada Embaixadora do UNICEF em 2007 e o seu criador nomeado Escritor para crianças também do UNICEF. Em 2008, o Ministério do Turismo do Brasil nomeou Mônica como Embaixadora do turismo brasileiro. Em 2009, Mônica foi nomeada, pelo Ministério da Cultura, Embaixadora da Cultura.
Para atender ao público adolescente que consome os gibis em estilo japonês, os mangás, Mauricio de Souza criou a linha Turma da Mônica Jovem. Com traço semelhante ao dos mangás, com personagens de olhos grandes e com quadrinhos cujos efeitos dão a sensação de movimento intenso, os integrantes da Turma da Mônica cresceram e passaram a se envolver em questões próprias da adolescência: namoro, estudo, esporte e tecnologia. A iniciativa transformou-se em um sucesso editorial, lançada pela Panini Comics – Planet Manga, talvez pelo fato dos personagens buscarem um certo “amadurecimento”: a Mônica tenta controlar os nervos, Magali busca se conter diante da gula, Cascão toma banho de vez em quando e Cebolinha troca as palavras apenas quando fica nervoso. E essa iniciativa da equipe de Mauricio de Souza pode ter influenciado a Turma da Luluzinha, numa inversão agora de influências. Na esteira do sucesso da Turma da Mônica Jovem, surgiu, lançada pela Ediouro, produzida por desenhistas nacionais, a revista Luluzinha Teen e sua Turma. A receita é a mesma: apresentar os mesmos personagens da Turma da Luluzinha agora como adolescentes.
A pesquisa mostrou alguns prós e contras do aproveitamento das revistas da Turma da Mônica e da Turma da Mônica Jovem em sala de aula. É provável, no entanto, que existam mais fatores positivos do que negativos nessa proposta. Um fator positivo importante é a popularidade que os personagens mauricianos desfrutam junto ao público infantil e adolescente. Considerando que os pontos negativos desse universo são conhecidos e que podem ser trabalhados em sala de aula, no sentido de levar os alunos a uma reflexão crítica, o que parece negativo em um primeiro instante pode se transformar num momento rico de quebra de paradigmas. Talvez o mais importante seja trabalhar a questão do Bullying, que preocupa tanto os teóricos da educação na atualidade. Através dos quadrinhos, o Bullying, quando identificado nos personagens pode gerar um debate no sentido de se combater preconceitos buscando uma nova consciência a respeito desse problema.

Referências:
MOYA, Álvaro, Shazam!, Editora Perspectiva, 1972, págs. 11, 13, 47, 211, 212, 222, 226.
LUZ, Dioclécio, “Violência na Turma da Mônica”, Observatório da Imprensa, WWW.observatoriodaimprensa.com.br (23-02-2010)
DUME, Paula, “Família e Amigos inspiraram Mauricio de Souza”, Folha de S. Paulo, www1.folha.uol.com.br (27-06-2009)
SOUSA, Mauricio, “Bidu 50 Anos”, Panini Books, 2009
LULUZINHA, Almanaque, Editora Ediouro, 2011

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