sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ATUALIDADE DE "ÉDIPO REI", DE SÓFOCLES

Marcos Diamantino


A tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles, escrita há 2.500 anos, continua impactando o leitor-espectador, não apenas pela força dos conflitos pertinentes à história desse mito grego, como também pela visão humana com que o tema é abordado pelo autor. Sabemos que a tragédia, primeiro gênero literário do Teatro Grego, caracteriza-se pelo suceder de tensões até a catarse, ou seja, a purificação de sentimentos. Um dos pontos abordados quando se trata de discutir a atualidade da tragédia é destacar a investigação profunda que o texto grego faz da condição humana havendo a identificação com o leitor-espectador. No caso de “Édipo Rei”, a máxima “Conhece-te a ti mesmo”, poderia se apresentar como único antídoto à tragédia prevista pelos oráculos. O desconhecimento, no que se refere ao significado da própria existência, é uma questão que também aflige o homem atual e o aproxima da tragédia edipiana.
Em “Tradução de Teatro Grego: Édipo Rei, de Sófocles”, Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, considera o texto sofocliano: “labiríntico, paradoxal, cruzado e ambívio, entretanto plenamente alcançável e até íntimo no que se refere a nossa humanidade”. A forma com que Sófocles verbaliza os sentimentos externados pelo protagonista diante de seu imenso drama atinge o receptor como angústias possíveis dentro da condição humana e portanto absorventes. Embora Romilly (1998), acerca de Édipo Rei, conclua que “é somente o triunfo de um destino que os deuses haviam anunciado, e que o homem não conseguiu evitar”, há de se destacar que, no período da construção dessa peça, a filosofia já havia contribuído para a diminuição da crença nos deuses, o que explicaria o traço marcante da investigação da alma humana presente no texto.
Retomando Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, a autora defende que Sófocles permite múltiplas visões para seja interpretado “por um único viés”. Embora a força dos conflitos originais do mito grego sustente o texto, há subsídios intrínsecos que levam o espectador a outras leituras. E isso é evidenciado ao se estudar o original grego. Através das palavras utilizadas, uma das leituras possíveis é, segundo Barbosa “a metáfora da terra: desdobrada em semeador, semente, árvore, fruto e ceifa, praga e peste”. O termo mãe, de acordo com a autora, pode se ligar a Jocasta, mãe-esposa de Édipo, como também pode representar a terra, que fecundada com a semente gera plantas e frutos. As pragas da lavoura e as maldições poderiam se relacionar nesse sentido. Mesmo com o desenvolvimento da pólis, cidade-estado, a cultura agrária influenciava a sociedade grega na época de Sófocles.
Outro ponto a ser observado nas tragédias, além da diversidade de interpretações, é o problema dos lapsos nos textos gregos que são preenchidos por estudiosos, o que acaba influenciando na tradução. O texto estudado foi traduzido por Estela dos Santos Abreu, resultando numa linguagem direta, ritmada e de fácil compreensão. Um problema no Brasil é a dificuldade de acesso aos textos gregos originais. As traduções são feitas a partir de traduções em outras línguas. Percebe-se que a tradutora buscou fazer uma adaptação que evitou os rebuscamentos da palavra erudita tornando o texto mais compreensível dentro do sentido da obra. Decisão coerente, afinal o desafio do tradutor é manter o texto tão popular hoje quanto foi há 2.500 anos, quando foi apresentado pela primeira vez, em praça pública. Mesmo assim, ao lembrarmos que existem lacunas no texto é de se supor que outras vertentes de interpretação foram irremediavelmente perdidas.
A atualidade do texto o leva a ser encenado nos palcos pelo mundo e até mesmo suscita a sua adequação a outras mídias. Algumas delas, no entanto, exigem recriação, como no caso de adaptações para TV. Gizelle Kaminski Corso, mestre em literatura pela UNESP, relata adaptação de “Édipo Rei” para a TV feita por Gianfrancesco Guarnieri e Fernando Peixoto. A recriação, nesse caso, fez com que o universo grego fosse transplantado para o ambiente rural brasileiro. E a mudança é também de ritmo, uma vez que o meio TV exige ação ininterrupta para manter a atenção do espectador. Interrupção somente na pausa para o comercial e aí o autor deve criar uma problemática que se revolva no bloco seguinte para que o controle remoto não seja acionado.
Mesmo considerando as muitas recriações acerca da obra, reescrita incontáveis vezes, numa espécie de Wiki ao longo de 2.500 anos, o que se percebe é que “Édipo Rei” mantém-se como peça fundamental na literatura universal. Possivelmente, pelo que oferece de melhor ao unir o mitológico e o humano.

Um comentário:

  1. Olá, Diamantino.
    Parabéns pelo blog.
    Sabe dizer se existe vídeo do Édipo para tv do guarnieri?
    Um grande abraço
    Roni Valk

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